CAMAFEU . * Valdir Barreto Ramos 

Camafeu era um distinto senhor já com seus mais de setenta anos, neto descendente direto de escravos oriundos da África e desembarcados para trabalho braçal nas fazendas de Cachoeira.

Sempre vestido com uma impecável calça branca de linho com vincos alinhados feitos a ferro de carvão, camisa branca de cambraia  de mangas compridas dobradas a moda 3/4 e ostentando um broche camafeu unindo as partes da gola da camisa.

Sapatos pretos reluzentes e chapéu branco de abas largas decorado por brilhante fita azul, da mesma cor do lenço estrategicamente colocado no bolso da camisa. Um óculo de lentes rayban verde complementava a indumentária daquele personagem conhecido e marcante que não dispensava um charuto enquanto cumprimentava a todos no seu caminhar lento até o ponto de ônibus.

Todos os dias fazia o mesmo trajeto. Saia de casa por volta de 09:00 horas e pegava o ônibus para descer no Terminal da França. De lá caminhava até o Mercado Modelo onde tinha duas barracas de artesanatos e lembranças da Bahia, cada barraca sob a responsabilidade de uma filha. Após conferir com as filhas o apurado no movimento do dia anterior Camafeu (ninguém sabia ao certo seu nome. Uns o chamavam de senhor Antônio, mas era mesmo conhecido por esse apelido) saia do Mercado Modelo e ia até a rampa onde tinha muitos amigos. Lá permanecia entre conversas e causos com os frequentadores vindos pelo mar de localidades do recôncavo.

De conversa em conversa passava o restante da manhã. Daí em diante deixava o cais, atravessava a Praça Cairu e se dirigia a Rua do Julião onde encontrava outros amigos. Com eles almoçava enquanto se distraia vendo o movimento das moças que frequentavam o lugar a cata de incautos que buscavam prazer.

Comentava-se que seu hábito de frequentar o nosocômio remontava a outras épocas de jovem, e ali mantinha manteúdas que lhes serviam quando lá comparecia.

Agora, já com a idade latente não se permitia mais ao desfrute dada às limitações fisiológicas, mas mesmo assim mantinha o hábito de frequentar o lugar.

Tinha lugar cativo nas casas, tanto que as unidades de bom senso mantinham um canto destacado onde se lia: “reservado para Camafeu”. Nem Dorival Caymi, nem Antônio Carlos Magalhães ou Jorge Amado, figuras proeminentes daquela época eram merecedores de tanta consideração.

As mulheres o chamavam de “painho” e os homens o tratavam de “senhor”.

No final da tarde antes de voltar para casa passava novamente no Mercado Modelo para se despedir das filhas e abençoá-las. Acendia mais um charuto e calmamente se dirigia ao Terminal da França enquanto calmamente o sol se debruçava lá para as bandas de Itaparica até sumir de vez dando lugar a noite.

Camafeu: um personagem das histórias da Bahia.

*Do livro HISTÓRIAS DO RECÔNCAVO (a ser lançado, Deus sabe quando). Valdir Barreto Ramos, suboficial da Marinha, escritor, Turma Lima da EAMCE de 1975.

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Pádua Marques

Jornalista, cronista, contista, romancista e ecologista.

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