Existe uma sabedoria, uma ciência, uma crença que diz, quando a gente vê papagaio no céu pelo mês de fevereiro ou março é porque o inverno, o período chuvoso está indo embora. E este mau presságio não é nada bom pra quem, assim como os lavradores, esse pessoal que planta nas roças, porque representa uma quebra no ciclo natural de seu trabalho. Representa desgraça devido à estiagem nos campos e põe fim à pouca oferta de alimentos na mesa de casa.
Eu disse papagaio porque é assim que desde que me entendo por gente conheço este brinquedo feito com folhas de papel crepom e hastes de pindoba. Que colocando um carretel de linha e um rabo feito de folhas de jornal ou de saco de cimento, o de melhor peso e mais recomendável. Entre os meninos de meu tempo, montar um papagaio era como montar um avião. Os meninos mais experientes sempre à frente, confeccionando as peças, dando as ordens e observando tudo, corrigindo uma coisa aqui e outra ali.
No chão das casas, nos terraços, aquela oficina barulhenta era sempre desarrumada. Vidros de cola, papel, tesouras, carreteis de linha, papel crepom. Os meninos mais novos sempre atentos, falantes e esperançosos de ver seu engenho voando com toda aquela elegância de causar inveja. Muitos eram obrigados a refazer seus papagaios porque pela visão dos mais veteranos não alcançariam êxito na hora de voar. Dá uma emoção e tanto quando um papagaio ganha o céu com todas aquelas manobras possíveis e impossíveis. E causa um orgulho danado em nós e nos outros competidores e nas meninas que estão por perto.
Pelo menos era assim no meu tempo. Se bem que eu só tive um papagaio na infância. Mas achou de se enganchar num pé de cajá umbu da casa do vizinho. Criei um trauma e nunca mais me interessei por outros, embora ainda hoje ache lindas aquelas peças tão leves e coloridas fazendo todas aquelas piruetas no ar. Papagaio, pipa, raia. Não vem ao caso aqui o nome que leva de região pra região. O importante é que este brinquedo inventado, dizem, pelos chineses, realmente é maravilhoso.
Os meninos do meu tempo sabiam a época certa de fazer e soltar seus papagaios. Meados de julho pra agosto, época de ventos fortes e céu com poucas nuvens. Hoje os meninos são diferentes. Os meninos de hoje não saem mais à rua. Os meninos de hoje não se sentam nas calçadas. Os meninos de hoje são por necessidade muito solitários, egoístas com seus brinquedos eletrônicos. Eles não conhecem a liberdade e a imensa felicidade de soltarem uma pipa. Pobres meninos de hoje! Todos aqueles volteios, as peças de cores mistas, de caudas coloridas, a linha especial e as manobras pra destruir os concorrentes nas competições, esses meninos de hoje não conhecem.
Me faz lembrar os meninos dos subúrbios de meu tempo, ali nas esquinas e nos campos de jogo de bola esperando um vento bom de meio da manhã ou de meio de tarde pra soltarem seus papagaios. Aqueles objetos leves feitos de hastes de pindoba coladas no papel crepom e com toda aquela perfeição de uma grande peça de engenharia. Os papagaios daquele tempo tinham uma vantagem. Eram brinquedos de meninos, brinquedos fora de época, superstições de meu tempo e que chegaram até a alguns meninos de hoje. * Pádua Marques, cronista, romancista e contista, membro da Academia Parnaibana de Letras, do IHGGP e outras entidades culturais. Crônica do livro O Menino.