Já vai longe o tempo em que Salvador era uma cidade única onde os soteropolitanos e os visitantes podiam transitar livremente, quer no cotidiano ou como curiosos por descobrir os encantos e os cantos da cidade.
Marinheiros de folga dos navios em passagem pelo porto da cidade embrenhavam-se pelos cantos de esbornias e boemias em busca de divertimento e prazeres mundanos que os fizesse esquecer momentaneamente as agruras da vida embarcados.
Turistas também andavam sossegados. Iam ao adro do Bonfim, ao Largo da Ribeira, da mesma forma que frequetavam a Barra, Rio Vermelho ou Itapoan, tudo na mais perfeita paz e acolhimento do povo da boa terra.
Lembro da minha adolescência com os hormônios em furor em que nao media distância para ir atrás de um rabo de saia. Piscasse o olho ou esboçasse um sorriso, lá estava eu rodeando a formosura que nem galo novo ciscando e arriando a asa e rodeando uma franguinha formosa.
Ia e vinha na mais santa paz, por cada canto da cidade, fosse na cidade baixa ou na orla além da cidade alta, da praia da Barra a Lagoa do Abaeté. E olha que eram tempos de chumbo, época de regime militar e, em que pese a rigida vigilância militar, nunca fui importunado.
Naqueles tempos, ao ser interpelado sobre o que estava fazendo, de onde vinha, para onde ia, que se explicasse devidamente sem gaguejar, com firmeza de respostas, além de apresentar documentos. RG, não servia, pois qualquer facínora tinha carteira de identidade. Documentos válidos e consideráveis naquela época eram Carteira de Trabalho ou Carteira de Estudante. Convincentes nas justificativas e portando documentos podia-se transitar em paz.
Havia contudo algumas peculiaridades em determinadas localidades da cidade. As moças da Fazenda Grande não namoravam homens e garotos do Pau Miúdo. Da mesma forma havia o estigma de que quem morava na Caixa D’água não gostava de quem morava no Curuzú (lá ele).
Então podia-se dizer que a Bahia (entenda-se por Salvador, porque o baiano tem a mania de se referir a Salvador como sendo Bahia. Exemplo disso é Gilberto Gil que diz “a Bahia é linda”, referindo-se a capital como Bahia e não Salvador). Pois são outros tempos.
Salvador agora está loteada como a Grã Bretanha antiga, dividida em feudos em que cada clã estabelecia seus domínios e suas dinastias. Cada bairro, cada rua, cada viela de Salvador agora é de domínio de uma facção criminosa onde quem se atreve a entrar sendo de outra região da cidade corre o risco de não sair com vida.
É o preço do descaso e da incompetência dos poderes públicos que inertes e omissos deixam nas mãos de bandidos o destino de tão bela cidade. Lamentável que esteja assim.
Valdir Barreto Ramos, sub-oficial da reserva da Marinha, escritor, romancista, cronista e poeta, Turma Lima da EAMCE de 1975.